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Massagem Carotídea: mitos e verdades

O que é

A massagem do seio carotídeo constitui-se no emprego de preensão manual do seio carotídeo do paciente por cerca de 10s para averiguar se a frequência cardíaca é reduzida como resposta ao aumento de pressão arterial local com consequente sinalizacão via barorreceptores que provocam estimulação parassimpática vagal.

Seu emprego também é terapêutico nos casos de taquiarritmias supraventriculares.

Reporta-se uma baixíssima taxa de complicações, mesmo quando praticada por profissionais menos treinados. Seu baixo custo e independência de preparo a tornam uma das mais famosas mágicas atitudes médicas a beira-leito.

O mito da tromboembolia cerebral como complicação

É comum que em cursos de emergência, os instrutores ou professores contraindiquem o procedimento em idosos e/ou por mais de 10s, sob a argumentação de que uma complicação possível é o despreendimento de placa carotídea com consequente efeito embólico nos finos vasos cerebrais.

Isto não procede estatisticamente.

Em um estudo transversal, Lacerda et al demonstraram que apenas 0.4% de um grupo de 502 pacientes de alto risco apresentaram complicações do tipo déficit neurológico agudo após serem submetidos a massagem carotídea¹.

Tal constatação joga por terra a teoria do fácil deslocamento de placas carotídeas, tendo em vista que foram selecionados pacientes de alta prevalência de doença aterosclerótica e de cardiopatia, já em acompanhamento ambulatorial. Por extrapolação estatística (neste caso mais que autorizada), podemos inferir que a incidência é ainda menor na população em geral, provavelmente zero.

Na verdade, a plausibilidade biológica do despreendimento de placa carotídea pela massagem revelaria uma delicadeza excessiva da estrutura aterial, sendo possível, até mesmo no curso de movimentos bruscos, tal complicação. Aliás, tromboembolismos ocorreriam por todo o corpo sob movimentos. Em quase todos cenários de traumas veríamos tromboembolismos decorrentes de agitação mecânica, pelo menos nos pequenos vasos ocorreriam de forma abundante.

Non sequitur.

Por outro lado, a excessiva manipulação do sítio carotídeo pode, e é documentada, como causa de AVCi, como demonstrado por Hyo et al quando uma paciente de 50 anos cursou com múltiplas isquemias cerebrais após longo período de carotidínea e excessiva manipulação do pescoço na tentativa de compensar a dor².

O que ocorre é o tradicional hábito de superestimação de incidências raras na medicina. Trata-se de um viés. Nossos vícios de percepção estatística são amplificados por casos específicos e raros, como Bastulli et all demonstraram de um paciente de 77 anos pós-cirúrgico que cursa com AVCi embólico³. Como se pode observar no estudo, a recomendação de evitarmos o procedimento foi extrapolada para todos idosos, inclusive entre aqueles sem indicativos de doença aterosclerótica. Absurdo.

A culpa de tais artigos atingirem o grande público recai sobre as bancas avaliadoras e a nossa fantástica fábrica de publicações. Assuma, você só escreveu aquele artigo na faculdade pra somar pontos na residência, né? 🤣

Quod erat demonstrandum.


Referências

  1. Lacerda G de C, Pedrosa RC, Lacerda RC de, Santos MC dos, Brasil AT, Siqueira-Filho AG de. Incidência de complicações relacionadas à massagem do seio carotídeo em 502 pacientes ambulatoriais. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2009Feb;92(2):82–7. Available from: https://doi.org/10.1590/S0066-782X2009000200002
  2. KWAK, Hyo Sung et al. Carotidynia presenting with acute ischemic stroke after carotid sinus massage. Annals of Clinical Neurophysiology, v. 19, n. 1, p. 46-49, 2017.
  3. Bastulli JA, Orlowski JP. Stroke as a complication of carotid sinus massage. Crit Care Med. 1985 Oct;13(10):869. doi: 10.1097/00003246-198510000-00022. PMID: 4028760.

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