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Gasometria Arterial

Acidez e basicidade sérica

O pH sanguíneo deve sempre estar entre 7.35 e 7.45.

Valores abaixo deste intervalo são chamados de acidemia. Acima, alcalemia.

Para este controle, um sistema tampão surgiu evolutivamente nos mamíferos:

  1. A respiração provoca retirada do dióxido de carbono diluído no soro; e
  2. Os rins regulam a excreção de bicarbonato.

Este sistema é o principal sistema tampão sérico. Existem outros, como o sistema proteico (bases), principalmente via albumina.

Regulação

Sempre que o pH se altera, o sistema tampão tentará manter fixa a seguinte relação matemática:

$$ pH \propto \frac{pCO2}{[HCO3⁻]} $$

Onde pCO2 é a pressão parcial de CO2 no soro e [HCO3⁻] é a concentração sanguínea de bicarbonato.

Aqui, alguns livros de medicina pecam em afirmar que esta fórmula é uma “igualdade”. O símbolo matemático correto é a “proporcionalidade”.

O cálcuo do pH depende, na verdade, de inúmeros fatores. Até mesmo a temperatura corporal influencia a autoionização da água e, portanto, o pH. Nesse sentido, a única forma de estimar matemáticamente o pH é por regressões numéricas. Historicamente, usa-se a estimativa de Henderson-Hasselbach:

$$ pH = 6,10 + \frac{log[HCO3⁻]}{0,03} * pCO2 $$

Portanto, quedas na pC02 são compensadas também com queda da [HCO3⁻].

O raciocínio inverso também é válido.

Os processos que causam queda da pCO2 ou aumento da [HCO3⁻] são chamados de alcalose.

Os processos que causam aumento da pCO2 ou queda da [HCO3⁻] são chamados de acidose.

Observe que na fórmula de Henderson-Hasselbach existe um valor constante de 6,10 acrescido de um valor dado pela fração do logarítmo de bicarbonato multiplicado pela pCO2 dividido por 0,03. Esta fração é justamente o sistema tampão do bicarbonato. Regressões numéricas mais sofisticadas adicionam outros tampões a este cálculo. Teríamos:

$$ pH = 6,1 + \sum_{1}^{i} tampão_i $$

Onde, sendo $f(a,b)$ uma função genérica de parâmetros $a,b$, temos:

$$ tampão_{HCO_3⁻} = f([HCO_3⁻], pCO2) $$

O valor de 6,10 é uma constante que reflete a composição sanguínea estática e a autodissociação da água, ou seja, é um determinístico do pH basal do sangue, sendo o principal fator a reação da água consigo mesma, produzindo íons hidrônio ($H_{3}O^{+}$):

$$ H_{2}O + H_{2}O \rightarrow H_{3}O^{+} $$

Interpretação da gasometria

O paciente terá sempre uma gasometria esperada, pois a clínica do paciente deve ser entendida como o primeiro passo da interpretação de gasometria arterial.

Exemplo:

Um paciente com taquipneia, hiperglicêmico e com alterações do estado geral e de consciência no sentido de rebaixamento, sofre com uma provável acidose metabólica. Assim, espera-se uma gasometria de acidemia.

Normalmente, este é o curso de interpetação:

  1. Clínica.
  2. Há acidemia ou alcalemia?
  3. Há acidose ou alcalose?
  4. Qual a resposta renal (bicarbonato)?
  5. Qual a resposta esperada respiratória (gás carbônico)?
  6. Hipóteses de acordo que expliquem a clínica.

Repare que os passos 4 e 5 podem ser invertidos, mas raramente faz sentido observar primeiro a resposta respiratória, já que esta é muito efêmera.

Ao analisarmos os passos 4 e 5, será necessário conhecer as respostas fisiológicas a cada cenário, chamada de compensação esperada.

Após, deve se proceder a elucidação do mecanismo de acidose ou de alcalose e se, porventura, ambos concorrem, num processo conhecido como misto.

Compensação esperada

EM CONSTRUÇÃO

Ânion gap

Nos casos de acidemia por acidose metabólica, o bicarbonato pode ter sido diminuído pela presença de outros ânions, visto que há um equilibrío eletrostático no sangue. Matematicamente:

$$ [H_{3}O⁺] + [Na⁺] - [HCO_{3}⁻] - [Cl⁻] - \sum_{}^{} ânions = 0 $$

Desconsiderando o hidrônio, já que este se associa ao bicarbonato, e isolando para os demais ânions:

$$ \sum_{}^{} ânions = \cancel{[H_{3}O⁺]} + [Na⁺] - [HCO_{3}⁻] - [Cl⁻] $$

Este somatório de outros íons negativos não medidos seria o ânion gap.

Porém, a albumina é uma proteína grande e, como toda proteína, tem carga eletrostática tendente a valores negativos. Assim, quando um ânion qualquer aumenta, também empurra a albumina para menos e sua influência merece correção, dada empiricamente por:

$$ \sum_{}^{} ânions = [Na⁺] - [HCO_{3}⁻] - [Cl⁻] + 2.5(\Delta{Albumina}) $$

Onde:

$$ \Delta{Albumina} = Albumina_{referência} - Abulina_{aferida} $$

Delta delta

Como sei que mais de um processo (alcalose ou acidose) não ocorrem simultâneamente num contexto de gap aniônico alargado?

Esta dúvida raramente fará sentido clínico, uma vez que o exame de gasometria é um teste complementar e deve ser solicitado já com uma hipótese diagnóstica prévia reforçando ou enfraquecendo-a.

Mas em casos obscuros, a seguinte lógica deve ser aplicada:

Se o ânion gap aumenta, o bicarbonato diminui na mesma proporção.

Matematicamente:

$$ \frac{\Delta{ânion gap}}{\Delta{HCO⁻_3}} \propto 1 $$

Ou ainda: $$ \frac{{ânion gap} – 10} {24 – [HCO3⁻]} \propto 1 $$

Assim, esperamos que esta relação seja sempre próxima de 1.

Quando menor que 1 significa que o ânion gap foi alargado por outro processo de acidose hiperclorêmica, já que o bicarbonato não foi deslocado tanto quanto o gap demonstra, havendo outro ânion com presença aumentada, o cloro.

Quando maior que 1 significa que o bicarbonato está sendo retido por um processo além do compensatório, sendo portanto uma alcalose escondida.

A interpretação da relação delta/delta só se justifica em contextos muito confusos e deve ser criteriosa.

Fluxograma para acidemia

graph TD;
    acidemia[acidemia
pH < 7.35]; acidemia -- HCO3⁻ < 20 --> acmet[acidose
metabólica]; acmet --> gapN[ânion gap normal] --> clor[acidose hiperclorêmica]; acmet --> gapLargo[ânion gap > 12 ]; gapLargo -- dúvidas --> delta[calcular
delta/delta]; gapLargo --> etio[cetoacidose diabética
intoxicação alcoólica
sepse]; acidemia -- HCO3⁻ > 26
pCO2 < 35 --> fimmetcomp[acidose respiratória
compensada] --> cron[investigar processos de hipóxia crônica]; acidemia -- HCO3⁻ normal
pCO2 > 45 --> resp1[acidose respiratória
recente não compensada] -->hipox[hipóxia]; hipox --> etioH[edema pulmonar
DPOC descompensado
crise de asma];

Fluxograma para alcalemia

Em breve.


Referências

  1. COPPOLA, Silvia et al. Sodium bicarbonate in different critically ill conditions: From physiology to clinical practice. Anesthesiology, v. 134, n. 5, p. 774-783, 2021.

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